Vivo num
xilindró. Ou xadrez, ou prisão, ou cadeia, sei lá. Pode decidir o nome, se
quiser,
pois isso não tem muita importância. As grades devem estar devidamente
trancadas antes
de dormir, os alarmes devem ser ligados e as cercas devem estar
prontas para eletrocutar.
É irônico,
bem irônico. Eu não devia ter a minha liberdade privada. As grades deveriam
servir para outra coisa. Ou melhor, deviam tirar a liberdade de outras pessoas.
É que nem em casa posso ter paz.
Se já não
posso desfrutar do conforto conseguido com tanto suor no meio da rua,
infelizmente, vejo que também não poderei usufruir disso cercada pelas minhas
próprias paredes. Ou vi dizer que as paredes têm ouvidos, mas no meu caso, às
vezes elas guardam um rosto estranho de pés descalços que entra no meio da
noite e me deixa uma surpresa em plena manhã de Domingo.
Amanheci com
alguns vazios, ainda não eram tantos, mas o maior vazio que ficou foi o roubo
da minha já pouca liberdade. Eu estava inteira, isso era o que importava. Disseram-me
que isso foi sorte, mas eu tenho minhas dúvidas. Devo ficar feliz apenas por
não ter sido um estrago tão grande? Não sei, mas se o estrago não foi tão
grande eu ao menos não fico tão mal. Mas feliz? Sortuda? Não, não, irmão.
Se acaso
quer saber, e eu estou pouco me lixando para os direitos humanos, eu daria uma
boa gargalhada ao saber que mais uma alma nojenta tivesse ido embora. Não
costumava pensar assim há uns anos atrás, mas eu ainda não havia sentido isso
na pele.
Vivo numa
prisão domiciliar, mas prisão maior é o medo. Também tranquei tudo o que estimo
em sete chaves, talvez por isso que papai feche bem todas as portas antes de
dormir. Porque quer que tudo aquilo que ama fique são e salvo, nem que para
isso tenha que deixar toda a sua família por trás das malditas grades, tudo por uns minutinhos de paz.